- Não se preocupe! Assim que aceitaste seguir-me o seu pai perdeu todas as memórias que referiam você. Um dia, quem sabe, as peripécias do destino brinquem conosco e tudo isso não torne a acontecer e, assim, você poderá ter a tranquila vida de lenhador que sempre sonhou. - Ele deu um breve sorriso com o canto da boca para o confuso rapaz.
O garoto não pôde segurar as lágrimas, escorreram pelo seu rosto, largou o machado e adentrou pela fenda até sumir por entre a forte luz que ela emanava.
- O seu treinamento será intenso, irá aprender como as mentes conscientes deste mundo funcionam e também como ludibriá-las. Será um mestre da diplomacia e irá compreender como utilizá-la com sabedoria, mas, principalmente, quando irá utilizá-la. - Com uma voz suave falou o homem de armadura dourada, seus cabelos agora estavam expostos, castanhos, não muito longos e levemente encaracolados nas pontas.
O menino Rafael se encontrava sentado sob uma espécie de mesa de pedra acinzentada, posicionada ao centro de um vasto pátio ensolarado, circundado por plantas abarrotadas de flores rosas intercaladas com outras de flores amarelas, semelhantes aos ipês. Caminhando ao seu redor, o robusto homem prosseguiu - Ao fim deste período, você estará tão familiarizado com esta arte que a sua capacidade de moldar a realidade será suficientemente elevada que nem mesmo os segundos que constituem as eras serão imunes às sutilezas de suas ilusões.
- Por que? Eu preciso compreender. Por que eu? Por que alguém tão magnífico precisa perder tanto tempo ensinando a alguém algo que já ele mesmo já domina? - Confuso, Rafael acompanhava o caminhar de seu mestre apenas com sutis movimentos de sua cabeça.
- O ciclo foi quebrada Rafael, eu não deveria estar aqui, mas estou. O mal retornou antes e foi banido, não por mim. A profecia não se cumpriu desta vez, um descompasso nas eras ocorreu. E eu temo pelo que pode vir a ocorrer.
- Mestre, eu não entendo, me sinto cego em meio a uma tempestade de areia.
- A cada era, o mal e o bem acordam e andam sobre estas terras na sua forma física. É uma profecia, algo destinado a acontecer, um acordo feito pelo caótico universo em que vivemos, uma forma de manter o equilíbrio. O mal surge e eu sou a resposta à ele. O que ocorre agora, é que o mal foi trazido a vida antes do tempo e quando eu despertei ele já havia sido banido por um grupo de corajosos aventureiros. Por mais bem intencionados que eles estivessem, o ciclo foi quebrado e da próxima vez que o mal ressurgir eu poderei ainda estar dormindo. Se não tivermos a sorte de encontrar um novo grupo de aventureiros capazes de combatê-lo, estas terras estarão condenadas e nós conheceremos o fim dos tempos.
- Mas mestre, o que eu poderei fazer perante tal poder?
- Rafael, se este mal retornar antes da minha próxima vida, as tuas forças deverão resistir e tu deverás combater este mal. - Com a mão sobre o ombro de seu aprendiz, os olhos fixos e arregalados fitando os seus olhos, ele prosseguiu - e se, por alguma razão, o mal acabar com todas as esperanças, se eu não ressurgir em tempo, se nada mais puder enfrentá-lo, tu deverás estar pronto para realizar o sacrifício. A última habilidade que aprenderás comigo, também irá custar a tua vida. Um último recurso, para que quando a luz desaparecer por completo, que tu possas te tornar ela e trazer a esperança para esta terra uma vez mais.
Pela primeira vez Rafael viu a preocupação nos olhos de seu mestre, como se ele soubesse que aquilo não era apenas uma hipótese, mas sim algo que estava predestinado a ocorrer. Ele seria seu porta voz, o mais sábio a andar por estas terras, sempre a espreita, esperando o pior acontecer. O mal não poderia vencer.
O homem estendeu a sua mão esquerda e abriu o punho, antes cerrado, em frente ao seu aprendiz, em sua mão, uma pedra, envolta por uma camada transparente que permitia ver o seu interior a brilhar, com uma luz dourada, semelhante ao sol. - O que é isto? - Perguntou Rafael.
- Isto, meu amigo, é o resultado que eu busquei por muitas vidas e apenas nesta consegui. Devido à quebra do ciclo, eu não precisei passar anos batalhando contra o ser das trevas e consegui tempo suficiente para forjar esta relíquia. Ela é a prisão perfeita. Nenhuma alma maligna é capaz de fugir da prisão de luz, nada é capaz de sair de dentro após ser ali colocado. Se o mal retornar, o enfraqueça e aqui o prenda, somente assim o ciclo terminará e esta terra estará livre, de uma vez por todas, destas incessantes batalhas que o universo nos destinou a travar pela eternidade.
- Mas mestre, se acabarmos com o mal para sempre, o que irá acontecer com o senhor?
Sorrindo o homem respondeu friamente:
- Eu finalmente poderei descansar em paz!
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